E das leituras apreendo que....
***O Valor das Pequenas Coisas***
Aprenda a escutar a voz das coisas,
dos fatos, e verás como tudo fala,
como tudo se comunica contigo.
Em cada indelicadeza,
assassino um pouco aqueles que me amam.
Em cada desatenção,
não sou nem educado e nem cristão.
Em cada olhar de desprezo,
alguém termina magoado.
Em cada gesto de impaciência,
dou uma bofetada invisível nos que convivem comigo.
Em cada perdão que eu negue,
vai um pedaço do meu egoísmo.
Em cada ressentimento,
revelo meu amor-próprio ferido.
Em cada palavra áspera que digo,
perdi alguns pontos no céu.
Em cada omissão que pratico,
rasgo uma folha do evangelho.
Em cada esmola que eu nego,
um pobre se afasta mais triste.
Em cada oração que não faço, eu peco.
Em cada juízo maldoso,
meu lado mesquinho se aflora.
Em cada fofoca que faço,
peco contra o silêncio.
Em cada pranto que enxugo,
torno alguém mais feliz!
Em cada ato de fé,
eu canto um hino à vida.
Em cada sorriso que espalho,
planto alguma esperança.
Em cada espinho, que finco,
machuco algum coração.
Em cada espinho que arranco,
alguém beijará minha mão.
Em cada rosa que oferto,
os anjos dizem: Amém!
Somos todos, anjos com uma asa só.
E só podemos voar quando "abraçados uns aos outros".
Roque Schineider
www.sabedoriadosmestre.com
**********Meu rosto**********
Meu rosto se mistura com o dia
Nuvens telhados ramagens e Dezembro
Apaixonada estou dentro do tempo
Que me abriga com canto e com imagens
Tão abrigada estou dentro da hora
Que nem lamento já a tarde antiga
Tudo se torna presente e se demora
Será que o dia me pede que eu o diga?
Sophia de Mello B. Andresen
******Caminho da manhã********
Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco de cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não enc
ontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopr!
o corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. Á tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de sa
lsa e um ramo de hortelã. Mais adiante!
compra figos pretos: mas os figos não são pretos mas azuis e !
dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.
Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.
Sophia de Mello B. Andresen