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Simplesmente Beatriz

Sunday, February 04, 2007

Assistindo à reverberação do amor naquela que amo


Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama.Reparem, estou dizendo, depois que ama.Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor.Disto se pode falar também, e a literatura a partir do romantismo e depois o cinema, modernamente, já tentaram de várias formas simular na relação amorosa como a mulher suspira, se contorce, desliza as mãos e entreabre a boca do corpo e da alma.Mas, quando digo " depois que ama ", refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo ou gozos, e que perdura horas e horas e às vezes dias.Fica macia que nem gata aos pés do dono. Mais que gata, uma pantera doce e íntima. Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga.A vida não transcorre mais a contrapelo. Desliza.Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento.Sobretudo, descobre outro ritmo em sua carne. É tempo do adágio, de calma e fruição. Neste período, aliás, o tempo pára.Em estado de graça ela se desinteressa do calendário.O cotidiano já não a oprime. As tarefas da casa, pesadas em outras ocasiões, tornam-se leves,os compromissos mais enjoados podem ser acertados, as tragédias dos jornais já não lhe dizem tanto respeito.O trabalho do escritório torna-se leve, pode ser feito quase cantando.Algumas desenvolvem uma súbita necessidade de te undo com pratos sutilíssimos e saborosos.O fato é que a mulher nessa atmosfera sai do trivial, se angeliza e glorificada pervaga pela casa.O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta.Em geral, nunca se dá conta. Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor,e depois se deixa levar pela trivialidade, deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.Na verdade, ela sobre paira ao tempo, está adejando em torno do amado, que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se em torno de si esse balé de ternura.Deveria o homem avisar ao escritório:hoje não posso ir, estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo.E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas, os amados deveriam interromper tudo: seus negócios e almoços e ficarem ali, prostrados, diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar.Já vi algumas mulheres assim. Era capaz de pressentir a 115 m que elas estavam levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram.Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma.Que não esteja distraído o parceiro ou parceira. Ela tem mesmo um perfume diverso das demais. É um cio diferente.É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea, tranquila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente.As outras mulheres percebem isto e a invejam. Os machos farejam e se perturbam.É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar.É quase parecido a quando a mulher vive a maternidade.Mas aqui é ainda diferente, porque na maternidade existe algo concreto se movimentando dentro dela. Contudo, nessa atmosfera que se segue a uma epifânica sessão de amor, é diverso, porque ela está acariciando uma imponderável felicidade.Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim. O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio acto. Só os escolhidos, os de alma feminina, vez por outra, o sentem prolongar-se dentro de si. Mas em geral, é diferente. Terminado o acto,uns até rolam para o lado e dormem como se tivessem tirado um fardo do ombro, outros acendem o cigarro, vestem suas ansiedades e voltam ao trabalho.É constatável, no entanto, que o homem apaixonado também transmite força, alegria, energia. Ele oscila entre Alexandre o Grande e o artista que chegou ao sucesso ! Também brilha. Mas é diferente. E não é disto que estou falando, senão do gozo feminino que não se esgota no gozo e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.Freud andou várias vezes errando sobre as mulheres e, por exemplo, colocou equivocadamente aquela questão de que a mulher teria inveja do homem por ser este um animal fálico, etc.Convenhamos: inveja têm (e deveriam ter) os homens quando prestam atenção no fenómeno que ocorre com as mulheres, que ao serem amadas atingem o luminoso êxtase de si mesmas, como se tivessem rompido uma escala de medição trivial para lá da barreira dos gemidos e amorosos alaridos.É isso: quando a mulher foi amada e bem amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas estáticas descreveram.Uma aura de mistérios as envolve. E isso, por não ser muito trivial, por não ser nada profano, talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.

Affonso Romano de Sant´Ana